Pesquisando o passado, discutindo o futuro!


“Impressões da poética e formosa vila de Santana do Catu”

18-12-2011 21:25

Com esse mesmo título, certa desconhecida autora por nome Rosalva Fiusa iniciou seu artigo publicado na Revista Única em março de 1930. Com a mesma linguagem “poética” ela descreve a cidade naquele momento, mas não deixa de dar-nos suas “impressões” de como era Catu naquela época. A tradução de uma cidadezinha idealizada está inscrita nos trechos onde ela enuncia a vila como uma “esperança” para a Bahia, uma “encantadora esmeralda do sertão baiano”.

No município, então predominantemente rural, ela descreve as atividades cotidianas de algumas mulheres negras que traziam os “cântaros na cabeça, tal qual escravas egípcias”, enquanto alguns homens “tangiam o gado que se escondiam atrás das moitas ou ao longo do rio como se compreendessem o sentimento de saudade...”. A paisagem outrora “frondosa” tornara-se como “corpos secos, espalhados aqui e acolá”. As noites da Catu naqueles fins da Primeira República brasileira “exalavam poesia”, saudosas por um tempo que não mais existia. Para Rosalva Fiusa elas “cantavam a saudade das tardes sonolentas e perfumadas tingindo de púrpura e ouro verde esplendente de seus frutos açucarados...”. 1

Os tons literais e literários com os quais Rosalva descreve a Catu nos fins dos anos 1930 revelam o saudosismo de uma elite que tinha saudade dos antigos tempos da lavoura de açúcar, tempos esses que já haviam se esvaído há pelos menos três ou quatro décadas, juntamente com a escravidão negra que a balizava. Mesmo assim, não só Rosalva, como também tantos outros pertencentes à elite catuense preferia se lamentar e metaforizar a realidade “cinza” e “seca”, em detrimento de um passado “verde” e “frondoso”2 do que encarar a dura realidade de decadência econômica vivida não só em Catu, mas em toda a Bahia.

Aliás, cabe mencionar que a elite catuense era não só uma caricatura, quanto um amostra em proporções locais da inerte elite baiana, ambas em franca crise econômica nas primeiras décadas republicanas.3 Tanto, que não poucos historiadores analisam em pesquisas recentes as lamúrias da elite que viam na Bahia daquele momento um estado injustiçado pelo governo republicano. Era a Bahia a “Rainha do Norte” nos tempos do Império, destronada, porém, nos tempos da República; Rica e glamorosa nos tempos imperiais, desprestigiada pelos governos “democráticos” nos tempos republicanos. 4

O discurso de decadência, porém, relembra um passado de glórias, mas não esconde um presente de misérias. Nesse momento, por vezes alguns preferem viver da memória. Mas como só quem vive de passado é museu e – também nós, historiadores –, muito tempo ainda teria que se passar para que o crescimento econômico chegasse a Catu. Foi com o petróleo, décadas depois, aliás, um momento impar na história catuense, todavia isso já é outra história que narrarei em outra oportunidade. Mas para não terminar nas toscas palavras deste historiador, fiquemos com as poéticas palavras finais da senhora Rosalva. Para ela as noites de Catu:

Cantam, cantam, cantam sempre e cantando adormecem e adormecendo sonham com esta formosa estância, maravilhoso e fecundo recanto do Brasil, onde tudo é bom, tudo é verde e tudo é belo. 5
NOTAS:

1 FIUSA, Rosalva. Impressões da “poética e formosa” vila de Santana do Catu. In Revista Única: Quinzenário Ilustrado. Ano I. Salvador, 01 de março de 1930.
2 Ver, por exemplo, o tom saudoso do romance da catuense Anna Ribeiro intitulado Letícia. (Bittencourt. Letícia. Litho-Typ. E Encadernação Reis & Cia. Salvador, 1908).
3 Sobre esse assunto ver SAMPAIO, Consuelo Novais. Poder e representação: o Legislativo da Bahia na Segunda República, 1930-1937. Salvador: Assembléia de Comunicação Social, 1992. Capítulo 01.
4 A principal pesquisa sobre assunto no momento é de autoria de Rinaldo Leite. (LEITE. Rinaldo Cezar Nascimento. A Rainha destronada: discursos das elites sobre as grandezas e os infortúnios da Bahia nas primeiras décadas republicanas. (tese de doutorado – PUC-SP), 2005. 
5 FIUSA, Rosalva. Impressões da “poética e formosa” vila de Santana do Catu. Op. cit.

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